Páginas

Translate

9 de fevereiro de 2012

Visconde de Mauá.




Na última década, até um pouco mais, quase tudo o que se falava a respeito de turismo em Visconde de Mauá atrelava o luxo das pousadas que foram abrindo ao longo dos anos ao ambiente zen característico da cidadezinha montanhesa de natureza privilegiada e clima delicioso. Uma coisa meio hippie-chique: incenso e cachoeira com ofurô e lençol de algodão egípcio; trutas frescas e lareiras em brasa com vinhos premiados e chefs estrelados; cheiro de roça com massagens terapêuticas; mistura de "alternativos" com executivos do mercado financeiro... A partir de agora, o assunto será outro: a facilidade de acesso. Já não é mais preciso ter um 4x4 nem botar a saúde do carro em risco para se chegar ao alto da Serra da Mantiqueira. No fim do ano passado, a estrada de acesso ao lugar foi totalmente asfaltada, diminuindo significativamente o tempo de viagem: dá para fazer em até duas horas e meia, e sem risco de deixar pedaços do carro pelo caminho nem impor aos ocupantes uma sessão de tortura em forma de solavancos. Assim, pela primeira vez na história, vale a pena pensar em passar um fim de semana que não seja prolongado em Mauá. Por isso, estamos propondo este roteiro, começando no sábado pela manhã e terminando no domingo à noite, voltando para casa na segunda cedinho.

Na chegada, cachoeira, canoagem e truta
Para pegar a estrada ainda vazia e poder aproveitar o dia, o melhor é sair do Rio bem cedo. Até Penedo, sem trânsito, dá para chegar em aproximadamente duas horas, viajando tranquilamente pela Via Dutra. É um pouco mais para cima, depois da entrada para a Serrinha de Alambari, que o caminho até Visconde de Mauá está irreconhecível. O asfalto, novo em folha, é melhor que 99% das rodovias do Brasil: lisinho, sem ondulações. Quando menos esperamos, chegamos ao mirante do alto da serra, a 1.300 metros de altitude — vale ir parando pela estrada, para fotos nos muitos locais apropriados para isso, com lindos panoramas da Serra da Mantiqueira.
Poucas coisas podem ser mais agradáveis de se fazer ao chegar no alto da montanha, pelo menos no verão, do que dar logo um mergulho de boas-vindas numa cachoeira. Para banho, o Poção da Maromba é um dos melhores. Pouco acima está o Escorrega, o trecho mais famoso e frequentado do Rio Preto. Mas para se chegar até lá é preciso enfrentar as condições precárias da estrada, que só vai piorando a partir da vila de Mauá, passando por Maringá, até chegar à Maromba. Uma pedida diferente é descer o rio, seja sobre uma boia, no melhor estilo lazy river dos parques aquáticos, seja em um caiaque, com uma pitada a mais de aventura. Mas é melhor reservar esse programa antes da viagem, para chegar com tudo já agendado.
Com a alma lavada e a cabeça fresca, a fome vai começar a bater. Um bom lugar para o almoço é o restaurante Babel, que fica em lugar de acesso complicado: ou seja, é melhor ir até lá durante o dia. Na ida (ou na volta) é possível passar no Capril Maluvito’s, que além de ótimos queijos de cabra também produz e vende cogumelos igualmente de alta qualidade, entre eles exemplares mais raros, como o shimeji rosa. Se o objetivo da viagem é explorar as cachoeiras, vale a pena aproveitar e dar uma esticada até o Poço das Antas, no Rio Marimbondo.
Com poço e queijo, ou não, o restaurante Babel é um daqueles que justificam inteiramente algum sacrifício para se chegar. Dirigindo com cautela, qualquer carro vai até lá. Num local agradável, cercado de verde, e com amplos janelões que valorizam a paisagem, o casal Daniela Keiko e André Murray serve uma cozinha refinada, com forte inspiração franco-italiana. Para começar, capuccino de cebola com funghi porcini (R$ 24) e figos ao mel e balsâmico com queijo de cabra (R$ 24). Para o prato principal, uma boa sugestão é o Alcantilado (R$ 58), uma canela de cordeiro cozida à perfeição ao mel e especiarias, servida com polenta trufada e cebola assada. Outra? O inusitado fettuccini caseiro de curry com truta e aspargos frescos (R$ 48).Vale a pena investir no menu degustação (R$ 145).
Para fazer a digestão, uma boa pedida é bater pernas por Maringá, passeando tanto pelo lado carioca, com muitas lojinhas simpáticas, quanto pelo mineiro, onde predominam os bons restaurantes e pousadas, atravessando a ponte sobre o Rio Preto, que divide os dois estados. Difícil é resistir fazer a umas comprinhas de produtos locais na "delicatessen rural" O Fino da Roça, que vende produtos regionais, como mel, queijos e biscoitinhos caseiros, além de vinhos e artigos importados e de outras partes do Brasil.
Antes do jantar, para preparar o corpo para a noite, poucas coisas podem ser tão deliciosas quanto fazer uma sauna, equipamento obrigatório em qualquer pousada boa na região, seguida de um belo banho de rio, no caso da Casa Bonita, ou piscina de água natural, no caso da Terras Altas, duas das melhores opções de hospedagem em Mauá.
Para o jantar do sábado, uma escolha certeira é o Rosmarinus, um lindo casarão vermelho em Maringá, com jardim precioso onde encontramos parte dos temperos usados na cozinha. Um dos campeões de pedidos é a truta Visconde de Mauá (R$ 49,70), um filé desse peixe em versão salmonada, preparado numa crosta delicada com amêndoas, avelãs e farinha de milho, com um fantástico molho de azedinha, guarnecido com um purê de batatas com ervas bem cremoso. Um prato leve, fresco, saboroso e surpreendente. Assim como a Visconde de Mauá que o batiza.

Na despedida, tirolesa, motos, linguiça e vinho
Já que no inverno fica quase impossível, devemos aproveitar as cachoeiras enquanto é quente (relativamente quente, que fique claro, porque as águas são frias mesmo no calor do verão). Depois do café da manhã dominical criteriosamente preguiçoso, hora de mexer o corpo. Os dois melhores conjuntos de cachoeiras estão em território mineiro. O roteiro dos Gigantes não tem esse nome à toa, passando pelas maiores quedas d’água da região. É programa de quase um dia inteiro, que exige a companhia de guias e alguma disposição. Mais fácil, e tão agradável quanto, é visitar o complexo do Vale do Alcantilado, onde há uma série de cachoeiras alcançadas por trilha bem sinalizada, que pode ser percorrida com calma e sem auxílio de guias. Há ótimos poços para banho, e um famoso caldinho de feijão (R$ 6) servido no bar do Sítio Cachoeiras do Alcantilado, que cobra ingresso (R$ 8) para visitar as quedas d'água.
Ali pertinho está outro complexo de entretenimento, o Corredeiras (ingresso a R$ 29), que tem boia-cross, piscina natural e trilhas, além de outras diversões, como arvorismo, escalada e tirolesa, que são cobrados à parte (há pacotes que combinam dois ou mais desses programas). No mesmo lugar funciona o Museu Duas Rodas (R$ 15), imperdível, dono do maior acervo de motos, bicicletas e afins no Brasil.
Quando o estômago roncar, o melhor a se fazer é seguir para o restaurante Gosto com Gosto, para saborear a cozinha da chef Mônica Rangel, que equilibra com sabedoria a tradição da cozinha mineira com criatividade e muito rigor na escolha dos ingredientes e na técnica de preparo dos receitas. As linguiças produzidas ali mesmo são fabulosas, e o trio (de pernil, cordeiro e frango) acompanhado de bolinhos de mandioca com queijo é delicioso — para acompanhar, peça uma pinga entre as centenas disponíveis na carta (a lista de vinhos também é das melhores). Para a escolha do prato principal é que a coisa complica um pouco. Porque o frango assado temperado com canela, servido com um inacreditável arroz de quiabo, é uma coisa de maluco. Mas o tutu à mineira também deixa saudades, e a costelinha de porco assada longamente é a melhor que já comi na vida. Para acompanhar, o vinho da casa (R$ 39), produzido por Paulo Laureano, no Alentejo fica uma maravilha (com os três pratos).
Subir a serra e não dar uma dormidinha depois do almoço não faz muito sentido, não é? Façamos isso, mas não sem antes dar uma passada na fábrica Bolo Húngaro, que produz essa obra de arte, uma massa deliciosa, enriquecida com canela, passas, nozes, castanha-do-pará e açúcar mascavo.
Depois, é só sair para o jantar de encerramento. Para quem está hospedado em Mauá, uma boa pedida para é o restaurante da pousada Terras Altas, que tem a mais linda adega do pedaço, muito bem abastecida. Da cozinha saem receitas como ossobuco com risoto de açafrão, preparado com absoluta competência. Já os que estão em Maringá podem escolher o Champignon, que tem cardápio dedicado aos cogumelos, que aparecem nas mais variados versões.
Não há mais o que se fazer além de ir direto para cama, para acordar cedo ainda a tempo de chegar ao trabalho. E descer a serra com calma, aproveitando a vista da nova estrada.

Viagem está mais rápida e segura
Distraído com a paisagem verdejante das montanhas, tomei um susto quando cheguei ao Alto da Serra, um mirante a 1.300 metros de altitude, ponto culminante do trajeto, quando a estrada a caminho de Mauá começa a descida em direção à cidade. Acostumado a demorar cerca de uma hora para fazer o trajeto de Penedo até lá, foi uma grata surpresa demorar menos da metade do tempo — e isso dirigindo calmamente e sem comprometer o carro. Nossa saúde também está mais protegida, porque no recente pacotes de mudanças estruturais em Mauá foi incluída a construção de diversas estações de tratamento de esgoto, e hoje 90% desses resíduos não mais poluem os rios da região.
Muita gente foi contrária à obra por acreditar que o fluxo de turistas maior é uma ameaça à natureza e à estrtutura social de Mauá. Mas foram voto vencido. Inaugurada no finalzinho do ano passado, em meio a polêmicas, a primeira estrada-parque do Estado do Rio ainda não está completa: faltam mirantes, passagens para animais atravessarem a pista e centro de visitantes. Mas a pavimentação, a contenção de encostas e a sinalização estão prontas.
Lá em cima, porém, pouca coisa mudou. Pegando à direita, passando pela vilinha de Mauá, a estrada que conduz a Campo Alegre está em obras. No sentido oposto, em direção a Maringá e Maromba, tudo continua igual. Até Maringá a estrada ainda é ruim, mas dá para encarar com qualquer carro, dirigindo devagar. Depois, até Maromba, é que a coisa fica feia, uma buraqueira danada. Dá para enfrentar, mas é preciso paciência para driblar as crateras, as pedras e outros relevantes obstáculos difíceis de serem superados pelos que não estão em veículos 4x4.
Faz parte da segunda etapa do projeto a pavimentação até Maromba, o que deve tornar mais fácil mergulhar na Cachoeira do Escorrega.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário: